Dimensões e propriedades de Nanopartículas

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Uma consequência importante que decorre das dimensões nanométricas destes materiais é que exibem propriedades únicas, isto é, não se comportam nem como os materiais ditos convencionais nem como as moléculas. Tal como os materiais convencionais, certamente que as nanopartículas apresentam propriedades muito diversas que dependem também da sua composição química. Pelo que descrever as propriedades das nanopartículas em geral é uma tarefa votada ao insucesso. Talvez recorrendo a alguns exemplos seja a maneira mais simples de explicar como as propriedades das nanopartículas variam com o seu tamanho médio.

Fotografias digitais de ouro finamente dividido. À esquerda observa-se um colóide (sol) contendo nanopartículas de ouro dispersas em água. À direita vê-se um licor contendo em suspensão flocos muito finos de ouro metálico.

Vamos considerar o metal ouro. O material ouro com que se fabricam aneis e pulseiras é formado por muitas cristalites de ouro. Cada cristalite de ouro é constituída por biliões de átomos de ouro dispostos segundo uma estrutura tri-dimensional e bem ordenada. O ouro tem uma estrutura cristalina cúbica de faces centradas. A estrutura cristalina do ouro pode ser facilmente simulada utilizando bolas de ping-pong como representando os átomos de ouro. É possível distinguir nessa estrutura cristalina uma pequena porção de matéria, a célula unitária, cuja repetição em três dimensões reproduz a estrutura cristalina do ouro. No caso do ouro a célula unitária é um cubo com as faces centradas. À escala atómica o ouro macrocristalino é como se fosse um arranjo infinito e organizado de átomos de ouro bem empacotados.

Imaginemos agora que conseguimos preparar ouro formado por partículas de dimensões nanométricas e bem individualizadas. Os químicos conseguem preparar este tipo de ouro nanocristalino, por exemplo sob a forma de um colóide aquoso, em que as partículas de ouro se encontram dispersas e estabilizadas em água. Este tipo de colóide de ouro apresenta uma cor vermelha característica, tendo sido objeto de estudo desde há muito tempo, nomeadamente pelo grande cientista Michael Faraday, que terá ficado intrigado pelo facto de as propriedades ópticas deste colóide serem marcadamente distintas do ouro metálico macrocristalino (cor dourada). Apesar de Faraday ter relacionado corretamente a cor vermelha do colóide com a presença de partículas muito pequenas de ouro, a explicação teoricamente completa surgiu depois no início do século 20 com o cientista alemão Mie.

O colóide de ouro acima referido é de facto constituído por nanopartículas estabilizadas em água. É um exemplo elucidativo de como as propriedades óticas dos nanomateriais são diferentes dos materiais análogos macrocristalinos. A síntese é surpreendentemente simples e envolve basicamente a redução de um sal de ouro na presença de um agente redutor. O método do citrato, por exemplo, permite a redução do ião complexo [AuCl4] pelo ácido cítrico. As nanopartículas de ouro assim obtidas são estabilizadas, isto é não agregam imediatamente depositando, devido à presença de iões citrato na sua superfície. Atualmente existe um interesse grande pela síntese químicade nanopartículas metálicas com propriedades morfológicas bem definidas, uma vez que se descobriu que as suas propriedades dependem não apenas do tamanho mas também da forma das partículas.

Talvez os sistemas nanocristalinos que mais atenção despertaram inicialmente na comunidade científica tenham sido os semicondutores. À semelhança dos metais, um semicondutor macrocristalino é constituído por um arranjo tri-dimensional mas neste caso de iões (positivos e negativos). Devido à natureza da ligação química entre o número (elevado) de iões (ou átomos) que constituem a rede cristalina do semicondutor, a estrutura electrónica destes materiais é descrita por bandas de níveis de energia. Um semicondutor tem uma banda de valência (BV) e uma banda de condução (BC), existindo um hiato energético (Eg) entre estes dois conjuntos de níveis de energia. A uma determinada temperatura, cada semicondutor apresenta um Eg característico. A excitação de electrões da BV para a BC origina condutividade eléctrica no semicondutor, pois passam a existir transportadores de carga na banda de condução e na banda de valência, respectivamente os electrões (cargas negativas) e as lacunas (“buracos” positivos).

Esquema de uma nanopartícula de um colóide de ouro estabilizado com iões citrato. O interior mostra uma fotografia digital de uma amostra de colóide de ouro com a cor vermelha típica.

Vamos considerar novamente um exemplo concreto, neste caso o semicondutor selenieto de cádmio (CdSe). O CdSe macrocristalino típico é constituído por iões de Cd2+ e Se2- ligados quimicamente entre si, segundo um arranjo tri-dimensional com simetria hexagonal. Cada Cd está rodeado por 4 iões selénio e cada selénio está rodeado por 4 iões cádmio, ambos num ambiente tetraédrico. O CdSe é um foto-semicondutor, isto é, conduz corrente elétrica na presença de luz, daí ser utilizado, por exemplo, em sensores de luz de câmaras fotográficas. A fotocondutividade do CdSe deve-se à excitação de electrões da BV para a BC após absorção de fotões com uma energia pelo menos igual a Eg, no caso do CdSe é 1,7 eV. Os fotões com esta energia situam-se na região do vermelho do espectro electromagnético.

O que acontece à estrutura electrónica do CdSe quando este é constituído por nanocristais com dimensões nanométricas? O número de átomos de Cd e Se é substancialmente reduzido, pelo que é como se existisse agora um fragmento nanométrico da rede cristalina do CdSe. A partir de determinada dimensão de nanopartícula, a redução do tamanho de partícula do CdSe tem consequências impressionantes nas propriedades óticas e electrónicas desse semiconduotr. A alteração da cor de vermelho-acastanhado para amarelo, à medida que o tamanho médio de partícula é reduzido, é uma manifestação clara da alteração da estrutura electrónica do semicondutor nanocristalino relativamente ao mesmo material macrocristalino.

 

Imagem de microscopia eletrónica de transmissão de duas nanopartículas de ouro.

À alteração da cor do CdSe de vermelho até amarelo, à medida que o tamanho de partícula diminui, corresponde obviamente um desvio da banda de absorção no visível para maiores energias. Tendo presente o diagrama de bandas do CdSe, isto significa que o hiato óptico deste semicondutor aumenta com a diminuição do tamanho de partícula. Portanto, estamos perante uma alteração das propriedades eletrónicas intrínsecas do semicondutor; não se trata de um fenómeno ótico que possa ser interpretado pelas leis da Física clássica. Trata-se de um efeito de tamanho de partícula na estrutura electrónica do semicondutor cuja explicação é dada pela Teoria Quântica. Os fenómenos de confinamento quântico de dimensão em nanocristais de semicondutores podem ser investigados através de medidas óticas. Os espectros de absorção no visível e de fotoluminescência do CdSe nanocristalino apresentam bandas desviadas para maior energia, relativamente ao hiato óptico típico do CdSe e cuja localização no visível depende das dimensões de partícula.

O exemplo dado acima para o CdSe nanocristalino demonstra que é possível fazer uma nano-engenharia do Eg para o mesmo tipo de semicondutor, controlando devidamente o tamanho médio de partícula. Muita da investigação em Nanoquímica incide em estratégias de síntese química de diversos semicondutores que exibam efeitos de confinamento quântico de dimensão. Para além do tamanho de partícula, procura-se igualmente controlar a natureza da superfície das nanopartículas, dada a sua influência em muitas das propriedades destes nanomateriais, por exemplo a fotoluminescência. As nanopartículas de semicondutores (Q-dots) de alguns materiais, por exemplo o CdSe, apresentam cores por luminescência marcadamente dependentes do tamanho médio de partícula. Estes sistemas são têm sido muito utilizados em aplicações de luminescência cuja emissão pode ser ajustada pelo controle do tamanho médio de nanopartícula. Muitas das aplicações das nanopartículas dependem das suas propriedades de superfície e do conhecimento que temos da Química que ocorre nas superfícies dos sólidos. Talvez a situação mais conhecida seja a da aplicação de nanopartículas metálicas em Catálise, tomando partido da elevada área de superfície por volume de material que caracteriza os nanomateriais.

 

Fotografia digital de amostras de nanocompósitos poliméricos contendo nanopartículas de CdSe de tamanhos médios distintos. A fotografia foi tirada sob irradiação de luz UV, pelo que as cores observadas nas amostras devem-se a um efeito de fotoluminescência. Cada cor corresponde a um tamanho médio de nanopartícula, por exemplo, a amostra vermelha contém nanopartículas com diâmetro médio de 5 nm, enquanto a amostra verde contém nanopartículas com diâmetro médio de 3 nm, sendo ambas do mesmo semicondutor nanocristalino, CdSe.

 

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